O recente relatório da Unaids, a agência da ONU para a Aids,
trazia uma boa e uma má notícia. A boa era que os casos de Aids reduziram 27,5% no mundo desde 2005.
A má era que no Brasil haviam aumentado 11%, algo que alarmou uma sociedade que
já via a epidemia distante e mais própria dos anos 1990 que de 2014. O
Ministério da Saúde, em nota, atribuiu o incremento nas estatísticas a uma
epidemia concentrada em grupos específicos, como transexuais, usuários de
drogas, profissionais do sexo e gays e, ao mesmo tempo, argumenta que a
testagem foi ampliada em 32% e que 353.000 pessoas estão em tratamento, o que
poderia explicar o aumento de 11%. O infectologista Jean Gorinchteyn, do
hospital Emílio Ribas de São Paulo, acrescenta que desde setembro de 2013 a
notificação de novos casos às autoridades se tornou obrigatória antes mesmo de
que o infectado inicie o tratamento, tanto para a rede pública quanto para a
privada. E essa parcela também está representada nessa taxa. Explicações e
justificativas à parte, os dados da ONU evidenciam que a capacidade de conter a
epidemia no Brasil está totalmente paralisada.
“A epidemia sempre foi concentrada, nunca deixou de ter alta
prevalência em determinados grupos. Foi um erro da política pública não
perceber que os vulneráveis continuavam vulneráveis”, argumenta Mário Scheffer,
professor do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade de São Paulo.
O especialista em saúde pública reconhece que a política de antirretrovirais
promovidas pelo Governo federal e seu alcance ajudam a reduzir o número de
infectados, mas explica que não é tão eficiente “sem um plano de prevenção que se
dirija a populações onde a prevalência é alta”. Em 2012, por exemplo, algumas
propagandas focadas no público LGBT (lésbicas, gays, bissexuais,
travestis, transexuais e transgêneros) foram censuradas. O argumento do
Governo, influenciado pelas bancadas religiosas e conservadoras,
Para os que trabalham diretamente com o público em ONGs e centros
de assistência, o dado não é tão assustador assim. Na verdade, pensam que deve
ser ainda maior, considerando que cerca de 150.000 pessoas no país desconhecem
que são portadoras, mantêm relações sem a devida proteção e acabam proliferando
o vírus. Rose Vertuan, assistente social da Associação Brasileira de Apoio aos
Portadores de Aids, diagnostica que ainda existe muito preconceito na hora de
procurar ajuda. Por sua experiência no trabalho com os infectados, conta que a
maior barreira é superar o medo e a vergonha de fazer o teste, segundo ela,
porque o associam ao público gay. “Existem homens que se negam a acreditar que
aquilo é com eles, porque se consideram machos mesmo tendo relações com outros homens
e acabam levando a Aids para dentro de casa”, conta. Alexandre Bevilaqua,
diretor da ONG Vanguarda da Esperança, concorda com Vertuan e vincula a falta
de informação à discriminação. “Há algumas semanas recebemos o caso de uma
mulher que expulsou a filha com diagnóstico de HIV de casa por medo de se
contagiar”, disse, alegando que informação há, mas que é “de muita má qualidade
e pouco direcionada aos públicos que realmente precisam”.
Diagnóstico precoce e medicação
Os especialistas concordam que o diagnóstico precoce da doença é o
melhor caminho para reduzir o número de infectados. Com a medicação, a carga
viral no corpo humano chega a níveis muito baixos, quase indetectáveis, o que
impede sua proliferação. No entanto, os efeitos colaterais do medicamento – que
está sendo considerado em alguns países, como os EUA, como uma medida extra de prevenção entre os
mais suscetíveis – não
são difundidos como deveriam. “Antes de iniciar a terapia, mesmo naqueles que
têm carga viral muito baixa, informamos que poderão sofrer lipodistrofia, que
seria o acúmulo de gordura corporal no abdômen, flacidez de braços e pernas;
ter seus níveis de colesterol e triglicérides alterados, induzir a diabetes e
inclusive podem enfraquecer os ossos”, explica o infectologista Gorinchteyn.
Para um diagnóstico precoce é necessário que as pessoas,
principalmente as mais vulneráveis, tenham fácil acesso aos testes, um trabalho
que tradicionalmente foi realizado por ONGs, que atualmente alegam ter menos
apoio financeiro para fazer essas ações de rua. “Temos dificuldade em orientar
grupos específicos, porque se falamos de homens, teremos que focar em várias
faixas etárias, onde estão os jovens heterossexuais, gays jovens e adultos,
homens casados que têm relações extraconjugais, bissexuais, idosos...”, reflete
Gorinchteyn, sem esconder sua preocupação de que isso seja possível.
Pelas pesquisas de comportamentos, os profissionais da saúde sabem
que os jovens tendem a “usar a camisinha nos três ou quatro primeiros
encontros, depois abandonam por ter criado uma relação de confiança com o
parceiro”, uma situação não contemplada, por exemplo, nas campanhas que querem
difundir o uso do preservativo. Uma última barreira, para Gorinchteyn, é a
questão do “consentimento informado”, uma determinação que obriga o paciente a
assinar uma autorização antes de fazer o exame de sangue. “Isso dificulta o
trabalho dos agentes de saúde, que acabam tão constrangidos ou mais que o
paciente na hora de solicitar o teste”, argumenta.
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